Texto: Mariana Cazeiro (5º Período) / Renata Trindade (5º Período)
Jornalismo Digital
Erick Felinto
JILÓ - Existe alguma preocupação por parte dos profissionais de mídias digitais em relação a benefícios para o meio empresarial e para os usuários?
Erick Felinto - Temos várias questões. Uma delas, talvez a mais simples, seja a transposição da mesma mensagem através de suportes diferentes: papel e eletrônico. Um caso interessante que podemos citar é esse equipamento que foi lançado pela Amazon - o "Kingdom" - que é um livro eletrônico, uma espécie de placa como um laptop fino só para leitura de livro. A estrutura é basicamente de um livro impresso, só passa para outro tipo de suporte. Muita gente acha que não vai dar muito certo, não tem ainda resultados muito animadores em relação a isso porque não tem muito sentido você pegar uma estrutura gráfica, por exemplo, uma mensagem, e transportar para outro meio e não pensar nas singularidades desse meio e de que forma essas singularidades vão afetar essa mensagem. No caso do jornalismo online existem muitos jornais online que fazem muito pouco além de reproduzir aquilo que se tem no papel ao invés de explorar toda uma série de dimensões da tecnologia eletrônica, a internet, o hipertexto. Do ponto de vista empresarial, há vários aspectos interessantes, como por exemplo, a economia que você tem quando se abandona o suporte de papel e passa para um meio não material. Outra coisa interessante é a economia de uma empresa jornalística que passa a usar o próprio trabalho de leitores. Por exemplo, O Globo, quando abre uma coluna "A reportagem do leitor". Por um lado, é interessante para eles, mas é claro que o leitor não vai suplantar o repórter, mas nessa coisa da cultura participativa, da informática estimular que os consumidores sejam produtores de conteúdo, tem um lado que as empresas podem explorar, do ponto de vista capitalista, bem objetivamente de se apropriar do serviço e da mão de obra gratuita que é o leitor fazendo reportagem para o jornal.
"Na verdade, todas as mídias, de certa forma estão sempre se apropriando das gramáticas das anteriores. Isso é uma coisa que McLuhan, em certo sentido já identificava, lá nos anos 60, 70, quando falava nessa idéia de remediação”.
EF - Me parece que esse governo tem certa preocupação com a superação desse "gap", desse abismo digital no sentido de, por exemplo, oferecer às escolas públicas computadores com acesso à Internet, pegar a orla de Copacabana e colocar acesso wireless, são todas tentativas de superar essa barreira digital. Em um país, onde você já tem uma série de outras barreiras econômicas, as pessoas têm pouquíssimo acesso à informação. É a televisão que funciona como um formador cultural no Brasil. Hoje você vai à favela e todo mundo tem televisão. É um elemento importante. Em relação às tecnologias digitais, a Internet, que tem um nível e relação com usuário diferente, a TV é muito passiva. Nesse modelo que a gente conhece hoje, o digital, isso exige certa educação para utilização dessas mídias. Uma coisa que não existe no Brasil é a educação para a mídia. Digo no sentido de ensinar as pessoas como usar essas tecnologias e inclusive como produzir um conteúdo para as mídias, no sentido de ter uma participação mais ativa, uma forma de comunicação comunitária se manifestando nessas possibilidades abertas pelas mídias digitais. Isso é o que ainda falta, além da dimensão propriamente econômica do acesso material a esses meios. Falta, também, uma preocupação de uma educação para a mídia que eu acho que a gente ainda não tem um projeto muito definido em relação a isso.
EF - Não saberia dizer quem desenvolveu e não se pode chamar bem de uma tecnologia. É um sistema que imita o papel numa tela de computador. É aí que eu falo que não é tão interessante você pegar as características de um suporte e simplesmente adaptar para outro que você já está acostumado a fazer como uma mídia tradicional. Na verdade, todas as mídias de certa forma estão sempre se apropriando das gramáticas das anteriores. Isso é uma coisa que o McLuhan, em certo sentido já identificava, lá nos anos 60, 70, quando falava nessa ideia de remediação como uma mídia vem e toma posse de aspectos, linguagens e gramáticas das mídias anteriores. O cinema pegou o rádio, que pegou o teatro, que pegou a literatura, enfim, isso remediou aspectos nas mídias. O computador pega tudo isso: você tem texto, imagem, etc. O e-paper é interessante porque é fácil para o usuário lidar com aquilo porque lembra a ele a estrutura de uma mídia anterior - o papel - mas de repente explora poucos, as potencialidades novas, que esse suporte digital traz.
EF - Não sei se tem pesquisa sobre isso, mas o e-paper também não é a única estratégia. O jornal digital tem vários jornais online que não seguem esse modelo do e-paper, inclusive mais criativos no sentido de explorarem mais as potencialidades dessa nova mídia. É um modelo, por exemplo, que encontramos no O Globo ou no JB, que, na internet, você vai no jornal online e eles fazem uma estrutura igual ao do jornal impresso permitindo que você vire a página. Agora, não sei se você fala do jornal eletrônico que está em andamento. Já existem várias tecnologias flexíveis de você dobrar uma tela de LCD finíssima ou de outro materiais que permitam esse tipo de coisa. Diria que ainda é uma coisa muito incipiente nesse ponto, me parece que ainda é caro a tecnologia para produzir esse tipo de recurso, eu não sei quando e se vai se tornar o ponto do papel desaparecer. Pode ser, mas por enquanto é tudo hipótese.
EF - Existe a questão dos recursos naturais também. A gente não sabe até quando vamos ter essa matéria prima. Mas o livro a gente já tem um relacionamento muito afetivo: o tato, a sensação de folhear, cheirar o livro. Ainda hoje é uma experiência forte que o digital não suplantou, então não é a mesma coisa de você estar com o Kigdom da Amazon para ler um livro e você estarem com o livro. É claro que é muito mais pesado. No Kingdom você pode botar mil livros pois existem essas facilidades.
“O próprio público também não se acomoda imediatamente à gramática de uma nova mídia. É um processo de adaptação”.
EF - Não sei se entendimento seria melhor palavra porque a verdade é que há sempre uma pressão econômica, do poder econômico sob os jornais que não tem a ver só com a questão da tecnologia, mas também para determinar o que é notícia e o que não é notícia. As pautas dos jornais estão muito longe de serem exatamente um reflexo da realidade e da verdade do mundo. Elas têm determinações econômicas, têm determinações de poder, então, a única coisa que o digital traz de novo, nesse cenário, é uma série de outras possibilidades que o próprio ambiente capital pode usar também ao lado de experiências interessantes e libertárias como o espaço para os próprios usuários produzirem conteúdo. Todo mundo pode ter seus quinze minutos, no Youtube, por exemplo.
EF - Porque existe um movimento natural da sociedade, de acomodação, que esses processos evidentemente tomam certo tempo. As mídias e as grandes corporações têm certa lentidão que é inerente à sua estrutura. Por outro lado, o próprio público também não se acomoda imediatamente à gramática de uma nova mídia. É um processo de adaptação. Por exemplo, essa coisa do Globo/JB pegar um jornal na Internet que você tem a folhinha que você vira, de certo sentido, é uma tentativa de oferecer a esse público algo com o qual ele já está acostumado, com uma linguagem anterior. É preciso certo período de acomodação dessas novas tecnologias. Eles demoraram, mas por outro lado eles têm ultimamente sabido explorar muito bem esses recursos das novas mídias. Quando você pega, por exemplo, a indústria do áudio visual, como Hollywood, essa noção da ficção transmidiática, por exemplo, no seriado Lost que você vê na televisão, aí tem o DVD que mostra aquilo que você não vê na televisão, aí tem o jogo para o celular, e você compra o livrinho do Lost, isso é a transmídia. A indústria está sabendo explorar isso de maneira bastante interessante, essa convergência midiática, essa possibilidade de você ter uma narrativa que se desdobra em vários meios diferentes está começando a mexer com isso de maneira interessante.
JILÓ - Você acredita que possa mudar o formato do jornal impresso, não diretamente para o e-paper, mas pode se transformar em tablóide como acontece na Inglaterra
EF - É uma possibilidade, a diminuição do formato, versões diferentes para pessoas com interesses diferentes. Por exemplo, o cara que vai ler sobre cultura, de repente não está tão interessado em saber sobre economia. Então, ele pega o jornal que tenha uma parte de economia customizada. Será que dá para fazer com o jornalismo? Customizar significa promover uma adequação às necessidades do público de nicho, coisa que as mídias digitais também permitem com certa facilidade. Então, são possibilidades de você ter um jornal cada vez mais enxuto e voltado para públicos com interesses específicos.
JILÓ - Como você vê o jornalismo no futuro?
EF - Hoje, principalmente no Brasil, a gente tem um grande debate sobre a questão da formação e do diploma do jornalista. A profissão tem esse dilema da exigência do diploma, como vai ser a formação e agora, inclusive, tem a comissão do MEC que está estudando as diretrizes do ensino do jornalismo nas faculdades de comunicação. Até porque também está havendo uma reconfiguração no perfil do jornalista e o que eu sinto em relação ao futuro é que, sem dúvida, esse jornalista não vai ser uma figura técnica, ou seja, uma figura de "apertador de botão" ou de escritor de textos que têm lead, um modelo. O jornalismo do futuro me parece que vai ser cada vez mais multimidiático, cada vez mais participativo. Isso me parece que é uma tendência com essas mídias digitais que você tem sites e blogs onde a própria noção do jornalismo começa a se re-configurar. Isso tudo que vamos ter que pensar. A concepção moderna do jornalismo como lugar da verdade, o lugar de certo conhecimento especializado também entra um pouco em crise. Muita gente hoje, até de uma maneira, que você pode pensar que é interessante, questiona a questão do diploma perguntando qual é a habilidade específica do profissional de jornalismo nesse cenário em que você tem cada vez mais a possibilidade de pessoas produzirem, por exemplo, notícias que interessam às micro comunidades, um jornalismo cada vez mais setorizado, regional, porque as mídias digitais permitem essa segmentação. O jornalismo do futuro vai ser muito diferente do que a gente está acostumado a entender, da concepção moderna e vai ter essas características cada vez mais multimidiáticas e também, digamos assim, muito enxuto em termos de texto: aquele modelo do USA Today, uma coisa de consumo rápido. Muita informação em pouco tempo para você assimilar. Hoje em dia você tem acesso à Internet com uma capacidade absurda de informação, mas como você faz para peneirar essa informação? Quanto tempo você investe nisso?
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