sexta-feira, 26 de junho de 2009

Jornalista veterano analisa o fim da obrigatoriedade do diploma para jornalistas

Texto: Daniele Azevedo, Ursula Machado e Zaira Costa
Turma Jornalismo Digital
Em uma decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou na sessão da quarta-feira , 17 de junho, a questão da obrigatoriedade de diploma específico para o exercício da profissão de jornalista. Foram oito votos contrários e apenas um favorável à exigência do diploma. Assim, qualquer pessoa, independente de sua formação, poderá exercer o Jornalismo, mesmo que tenha apenas curso primário.
Para falar sobre o assunto, entrevistamos Rogério Marques, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro e um dos editores do programa Globo Repórter, da TV Globo, emissora onde trabalha há 26 anos.
O jornalista começou sua carreira na revisão do Correio da Manhã com 17 anos de idade. Com passagens em empresas de comunicação como a TV Bandeirantes como editor, no jornal Última Hora como revisor e no jornal Fluminense como redator, Marques trabalhou também por 10 anos no então órgão oficial do partido do Partido Comunista, o jornal Voz da Unidade.
Típico jornalista "das antigas", como se auto intitula, Rogério Marques nunca cursou a faculdade e, apenas com o ensino médio completo, está há 41 anos atuando no mercado. Mesmo assim é a favor da obrigatoriedade do diploma para a atuação do jornalista como profissional, posição pessoal e também do Sindicato que representa.

Rogério Marques, jornalista.

Jiló Campus: Enquanto vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, como o senhor avalia a sentença do STF que pôs fim à obrigatoriedade do diploma em Comunicação Social para o exercício do Jornalismo?
Rogério Marques: O sindicato vê como um retrocesso, uma medida muito ruim essa decisão do
STF. Vejo que isso pode piorar a qualidade do jornalismo que é oferecido à população. Pode também desorganizar a categoria, diminuindo os salários e acabando com direitos já consagrados. Não é a toa que todos os patrões, donos de empresas de comunicação, sempre desejaram o fim do diploma para o exercício da profissão.

Jiló Campus: Por que os empregadores têm esse interesse?
RM:
Essa ação que chegou ao STF foi imposta pelo Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão do Estado de São Paulo. Dá pra imaginar que seja porque isso pode beneficiá-las na contratação das pessoas que elas quiserem, diminuir salários e de acabar com conquistas da categoria obtidas nas últimas décadas.

“Não é só o jornalista que perde, toda sociedade perde, com fim à obrigatoriedade do diploma. Quem esteve nas redações antes e depois da exigência da formação universitária observou que a partir dos anos 70, com a entrada nas redações das pessoas formadas em faculdades, a qualidade dos jornais e do jornalismo melhorou.”

JC: Quem perde com a queda do diploma?
RM:
Não é só o jornalista que perde, toda sociedade perde. Quem esteve nas redações antes e depois da exigência da formação universitária, como é o caso das pessoas da minha geração, certamente observou como a partir dos anos 70, com a entrada das pessoas formadas em faculdades nas redações, melhorou a qualidade dos jornais e do jornalismo. Até a década de 70 e início da década de 80, eram comuns aqui no Brasil, inclusive no Rio de Janeiro, jornais da chamada "imprensa marrom", que eram jornais que se dedicavam a escândalos, a denuncias infundadas e até mesmo a extorquir dinheiro de pessoas com base em matérias falsas. Eram jornais que viviam disso porque as editorias de cidade e de polícia eram formadas por pessoas profissionalmente pouco qualificadas. Muitas vezes acontecia de policiais que eram fontes dos repórteres se tornarem jornalistas por amizade e acabavam dentro das redações,. Essa geração universitária que começou a entrar nas redações com mais informação, mais formação ética, e mais informação de técnica, era mais questionadora e mais politizada e isso foi mudando o perfil das redações, onde já existia umas pessoas já muito competentes e não necessariamente diplomadas mas com formação mais intelectualizada.

JC: O que pode mudar para o profissional da área?
RM:
Só nos próximos anos, caso seja mantida essa decisão do STF, é que se vai ver na prática. Mas há o risco de perdas de conquistas profissionais e salariais obtidas nas últimas décadas ou uma desorganização da categoria.

JC: E o jornalismo em si correrá risco, ao se permitir que pessoas não preparadas para o exercício específico da atividade jornalística?
RM:
Uma das alegações importantes do STF pra isso é que a exigência da formação universitária vai contra a liberdade de expressão e todos teriam direito de se expressar em jornais, não só jornalistas. Mas esse direito não é garantido, de modo que médicos, engenheiros, qualquer profissão possa falar sobre suas atividades especificas. Você tem, por exemplo, o médico
Dráuzio Varella que não é jornalista mas sempre teve colunas e espaços grandes em jornais e televisão, falando sobre sua área de atuação. O que não achamos correto é que pessoas que sejam médicos, chefes de cozinha, ou quem for, se tornem repórteres, editores, redatores. Isso nós não achamos correto, achamos prejudicial à categoria.

JC: Há quem argumente que o diploma não é fundamental para que se faça um bom jornalismo, que pessoas de bom nível cultural, que saibam pensar e escrever bem, teriam requisitos suficientes para trabalhar com jornalismo, sem ter diploma ou formação específica. Como o senhor vê isso?
RM:
É um argumento totalmente falho, totalmente irreal porque vivemos em um país onde a esmagadora maioria não tem uma boa formação intelectual, tanto em casa como na formação escolar. Nos últimos anos, então, houve uma degradação gigantesca do ensino público e com isso as pessoas normalmente têm uma formação muito ruim. Muitas pessoas, por exemplo, vão ler seu primeiro livro na faculdade.

“Meu recado para os estudantes de Jornalismo é que continuem seus cursos, se aperfeiçoando e fazendo novos cursos, que as pessoas não têm nada a perder com isso, só tem a ganhar. O mercado sempre será mais generoso com as pessoas que estão bem informadas. Quem está cursando a faculdade, não desista.”

JC: O ministro Gilmar Mendes, ao anular o diploma, disse que os jornalistas não poderão constituir um órgão de fiscalização, como a OAB que fiscaliza a atividade do advogado. Isto gera uma dúvida sobre o Código de Ética da Profissão. Quem terá poder de fiscalizar a conduta ética do jornalista?
RM:
Na verdade, o sindicato já tentou criar um conselho, mas acabou não sendo aprovado,. Houve uma pressão muito grande por parte do patronato e até mesmo por parte de uma banda equivocada da sociedade de jornalistas, achando que isso iria redundar em censura , quando não seria isso. Esse conselho seria formado por pessoas da sociedade e não só por jornalistas, mas isso não foi concretizado. A questão da ética hoje é avaliada pelos sindicatos, mas não existe um órgão que fiscalize isso.

JC: O sindicato está ao lado de entidades na campanha em defesa do diploma. Como o senhor acha que deve ser a mobilização da categoria para enfrentar a situação atual?
RM:
O sindicato não só do Rio de Janeiro, como de vários estados do Brasil, e a
Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também, têm defendido de todas as formas, tentando reverter essa decisão, organizando manifestações, protestos, até mesmo com estudantes. Estamos em contato com parlamentares e juristas para achar o caminho mais viável para fazer um projeto de lei que regulamente a profissão de jornalista via congresso nacional.

JC: Qual recado o senhor deixa aos estudantes de jornalismo que estão saindo da faculdade?
RM:
Em primeiro lugar que participem dos protestos que estão acontecendo e, outra coisa muito importante, é que continuem seus cursos, que continuem se aperfeiçoando e fazendo novos curso. As pessoas não têm nada a perder com isso, só tem a ganhar. O mercado sempre será mais generoso com as pessoas que estão bem informadas. Quem está cursando não desista, que só tem a ganhar estudando. A prática do antes e depois da formação universitária mostra que isso só trouxe ganhos para a imprensa e consequentemente para a sociedade.

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